terça-feira, 19 de março de 2013

Bertold Brecht




"Não se regozigem com a derrota dele, homens
Mesmo que o mundo tenha se erguido para deter o bastardo
a cadela que o pariu está no cio novamente"

Bertold Brecht






Ah! Desgraçados!
Um irmão é maltratado e vocês olham para o outro lado?
Grita de dor o ferido e vocês ficam calados?
A violência faz a ronda e escolhe a vítima,
e vocês dizem: "a mim ela está poupando, vamos fingir que não estamos olhando".
Mas que cidade?
Que espécie de gente é essa?
Quando campeia em uma cidade a injustiça,
é necessário que alguem se levante.
Não havendo quem se levante,
é preferível que em um grande incêndio,
toda cidade desapareça,
antes que a noite desça.
Bertolt Brecht

Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia várias vezes destruída
Quem a reconstruiu tanta vezes?
Em que casas Da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que
a Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma esta cheia de arcos do triunfo
Quem os ergueu?
Sobre quem triunfaram os Cesares?
A decantada Bizancio
Tinha somente palácios para os seus habitantes?
Mesmo na lendária Atlântida
Os que se afogavam gritaram por seus escravos
Na noite em que o mar a tragou.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou, quando sua Armada
Naufragou. Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu alem dele?

Cada pagina uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande Homem.
Quem pagava a conta?

Tantas histórias.
Tantas questões.

(Bertold Brecht)

Jenny dos Piratas - Na peça "A Ópera dos Três Vinténs" é cantada por Polly , a filha de Peachum, que vai se casar com o gangster Macheath, o Mac Navalha. Polly está num beco sem saída e só pode ansiar por um tipo de salvação como aquele que aparece na canção:

Tradução: Pablo Capistrano

Meus senhores, hoje me veem limpando copos.
E fazendo camas para os outros.
Agradecendo prontamente os trocados que recebo.
E os senhores veem meus trapos nesse hotel vagabundo.
E os senhores não sabem com quem estão falando.
Mas, qualquer noite dessas, haverá gritos no porto.
E se perguntará: que gritaria é essa?
E os senhores me verão sorrindo junto aos meus copos.
E perguntarão: do que ela está rindo?
E um navio de oito velas.
Com cinquenta canhões.
Estará ancorado no cais.
E dirão: vá! Limpe teus copos, fofinha!
E me lançarão uns centavos.
E as camas serão arrumadas, e os centavos embolsados.
(Camas que não serão usadas nessa noite).
E os senhores ainda não tem ideia de quem eu sou.
Mas, qualquer noite dessas, haverá estrondos no porto.
E se perguntará: que barulho é esse? / E me verão atrás da janela, observando.
E dirão: por que esse sorriso malicioso?
E o navio de oito velas.
Com cinquenta canhões.
Bombardeará a cidade.
Meus senhores, provavelmente suas risadas cessarão.
Quando os muros começarem a cair.
E quando a cidade for posta rente ao chão.
Restando apenas esse hotel vagabundo,
poupado de qualquer arranhão.
E se perguntará: quem, de tão especial, mora aqui?
E essa noite, se ouvirá gritaria ao redor do hotel.
E se perguntará: por que esse hotel foi poupado?
E me verão sair, de manhã, pela porta.
E perguntarão: ela morava ai?
E o navio de oito velas.
Com cinquenta canhões.
Tremulará suas bandeiras nos mastros.
E desembarcarão as centenas.
E pisarão nas sombras.
E arrastarão cada pessoa que encontrarem,
atrás de cada porta que vasculharem.
E os acorrentarão e os trarão até mim.
E perguntarão: a quem devemos matar?
E nesse meio dia, haverá calmaria no porto.
Enquanto se pergunta: quem tem que morrer?
E então me ouvirão dizer:
Todos!
E quando as cabeças começarem a rolar eu direi:
Eita!
E o navio de oito velas.
Com cinquenta canhões.
Desaparecerá comigo no horizonte.



O personagem Macheath, na peça, está disposto a subir de vida, passando de um marginal que controla o mercado negro a banqueiro. E junto aos seus capangas ele questiona: "O que é um torpedo, em comparação com uma ação ao portador ? O que é assaltar um banco, em comparação com fundar um banco ? Sua argumentação é retomada na "Canção de Fundação do Banco Nacional de Depósitos":

Para fundar um banco

precisa-se de capital inicial
Se a grana porém faltar
onde obtê-la sem roubar ?


Brecht sempre expressou uma visão crítica da sociedade em que vivia e uma recusa à  submissão em um país que se preparava para ser dominado pelo totalitarismo nazista. Em sua peça "Cabeças Redondas e Cabeças Pontudas", uma sátira contra o nazismo, uma personagem entoa a canção na qual diz:

Já tivemos muitos amos:
amos-tigres, amos-hienas,
nobres e porcos - dezenas! -
e a todos alimentamos.
Seus coturnos? Quem viu um
viu todos...Não comparamos,
Não queremos novos amos:
Não queremos amo algum! 

A atualidade de sua crítica do mundo, mergulhado hoje em profunda crise econômica do sistema financeiro Europeu  torna sua obra imortalmente universal. A coerência de sua temática social que sofreu críticas recentes por àqueles que viam no socialismo uma ideologia moribunda no leste europeu, ainda faz tremer as bases de uma visão eurocêntrica capitalista, que através da exploração da mão de obra em suas zonas de influência e alhures, com o fim do colonialismo, se veem como potências de segunda ordem em franca decadência em busca de novas aventuras militares. Os antigos satélites da ex-URSS estão hoje mergulhados no ostracismo de uma falsa liberdade onde não existe nem pão, nem trabalho. Só agora suas populações iludidas parecem despertar para uma crise sem precedentes onde só os poderosos capitalistas sobrevivem.

Aos que vierem depois de nós
Realmente, vivemos muito sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.

Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar tantos horrores!
Esse que cruza tranqüilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda?

É certo: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é pura casualidade.
Nada do que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
(se a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: "Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!"

Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.

Também gostaria de ser um sábio.
Os livros antigos nos falam da sabedoria:
é quedar-se afastado das lutas do mundo
e, sem temores,
deixar correr o breve tempo. Mas
evitar a violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria.
E eu não posso fazê-lo. Realmente,
vivemos tempos sombrios.

Para as cidades vim em tempos de desordem,
quando reinava a fome.
Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
e indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Comi o meu pão em meio às batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a Natureza.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
A palavra traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes
Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

As forças eram escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Vós, que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar.

Íamos, com efeito,
mudando mais freqüentemente de país
do que de sapatos,
através das lutas de classes,
desesperados,
quando havia só injustiça e nenhuma indignação.

E, contudo, sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com indulgência.

 (Tradução de Manuel Bandeira)

- O poema acima foi extraído do caderno "Mais!", jornal Folha de São Paulo - São Paulo (SP), edição de 07/07/2002, tendo sido traduzido pelo grande poeta brasileiro Manuel Bandeira./Fonte: Releituras





Louvor ao estudo

Estuda o elementar: para aqueles
cuja a hora chegou não é nunca demasiado tarde.
Estuda o abc. Não basta, mas estuda. Não te canses.
Começa. Tens de saber tudo.
Estás chamado a ser um dirigente.

Freqüente a escola, desamparado!
Persegue o saber, morto de frio!
Empunha o livro, faminto! É uma arma!
Estás chamado a ser um dirigente.

Não temas perguntar, companheiro!
Não te deixes convencer!
Compreende tudo por ti mesmo.

O que não sabes por ti,
não o sabes.
Confere a conta. Tens de pagá-la.
Aponta com teu dedo a cada coisa
e pergunta: "Que é isto? e como é?"
Estás chamado a ser um dirigente.


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Breve Biografia
Bertolt Brecht nasceu em Augsburg, Alemanha, em 1898. Em 1917 inicia o curso de medicina em Munique, mas logo é convocado pelo exército, indo trabalhar como enfermeiro em um hospital militar. Aquele que iria se tornar uma das mais importantes figuras do teatro do século XX, começa a escrever seus primeiros poemas e cedo se rebela contra os "falsos padrões" da arte e da vida burguesa, corroídas pela Primeira Guerra. Tal atitude se reflete já na sua primeira peça, o drama expressionista "Baal", de 1918. Colabora com os diretores Max Reinhardt e Erwin Piscator. Recebe, no fim dos anos 20, instruções marxistas do filósofo Karl Korsch. Em 1928, faz com Kurt Weill a "Ópera dos Três Vinténs". Com a ascensão de Hitler, deixa o país em 1933, e exila-se em países como a Dinamarca e Estados Unidos da América, onde sobrevive à custa de trabalhos para Hollywood. Faz da crítica ao nazismo e à guerra tema de obras como "Mãe coragem e seus filhos" (1939). Vítima da patrulha macartista, parte em 1947 para a Suíça — onde redige o "Pequeno Organon", suma de sua teoria teatral. Volta à Alemanha em 1948, onde funda, no ano seguinte, a companhia Berliner Ensemble. Morre em Berlim, em 1956.




1) Bibliografia - A poesia de Brecht e a História - Autor: Leandro Konder - Jorge Zahar Ed. - 1996

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