terça-feira, 18 de novembro de 2014

Gregório de Matos




EPÍLOGOS (Gregorio de Matos: 1636 - 1696)

Que falta nesta cidade?................Verdade
Que mais por sua desonra?...........Honra
Falta mais que se lhe ponha..........Vergonha.
O demo a viver se exponha,
Por mais que a fama a exalta,
numa cidade, onde falta
Verdade, Honra, Vergonha.
Quem a pôs neste socrócio?..........Negócio
Quem causa tal perdição?.............Ambição
E o maior desta loucura?...............Usura.
Notável desventura
de um povo néscio, e sandeu,
que não sabe, que o perdeu
Negócio, Ambição, Usura.
Quais são os seus doces objetos?....Pretos
Tem outros bens mais maciços?.....Mestiços
Quais destes lhe são mais gratos?...Mulatos.
Dou ao demo os insensatos,
dou ao demo a gente asnal,
que estima por cabedal
Pretos, Mestiços, Mulatos.
Quem faz os círios mesquinhos?...Meirinhos
Quem faz as farinhas tardas?.........Guardas
Quem as tem nos aposentos?.........Sargentos.
Os círios lá vêm aos centos,
e a terra fica esfaimando,
porque os vão atravessando
Meirinhos, Guardas, Sargentos.
E que justiça a resguarda?.............Bastarda
É grátis distribuída?......................Vendida
Que tem, que a todos assusta?.......Injusta.
Valha-nos Deus, o que custa,
o que El-Rei nos dá de graça,
que anda a justiça na praça
Bastarda, Vendida, Injusta.
Que vai pela clerezia?..................Simonia
E pelos membros da Igreja?..........Inveja
Cuidei, que mais se lhe punha?.....Unha.
Sazonada caramunha!
enfim que na Santa Sé
o que se pratica, é
Simonia, Inveja, Unha.
E nos frades há manqueiras?.........Freiras
Em que ocupam os serões?............Sermões
Não se ocupam em disputas?.........Putas.
Com palavras dissolutas
me concluís na verdade,
que as lidas todas de um Frade
são Freiras, Sermões, e Putas.
O açúcar já se acabou?..................Baixou
E o dinheiro se extinguiu?...............Subiu
Logo já convalesceu?.....................Morreu.
À Bahia aconteceu
o que a um doente acontece,
cai na cama, o mal lhe cresce,
Baixou, Subiu, e Morreu.
A Câmara não acode?...................Não pode
Pois não tem todo o poder?...........Não quer
É que o governo a convence?........Não vence.
Que haverá que tal pense,
que uma Câmara tão nobre
por ver-se mísera, e pobre
Não pode, não quer, não vence.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

RUMI - "SOU O ESCRAVO QUE LIBERTOU O AMO"


Jallaludin Rumi - (1207-1273)

"SOU O ESCRAVO QUE LIBERTOU O AMO"

Sou o escravo que libertou o amo

O Discípulo que instruiu o mestre

Sou a alma que ontem nasceu no mundo

e no mesmo instante criou esse mundo vetusto.

Sou a cera orgulhosa que fez o ferro virar aço.

Passei unguento nos olhos dos cegos

e ensinei homens de pouco entendimento.

Sou a nuvem negra que trouxe alegria

da noite de dor ao dia de festa.

Sou a terra milagrosa

que pelo fogo do amo se elevou

e tocou a mente do Céu.

Noite passada o rei não dormiu,

contente de saber que eu, o escravo, dele me lembrei

Não me culpes se sou escandaloso e lavrei justiça,

foste tu que me embriagaste.

Silencio, que o espelho se desgasta;

quando soprei sobre ele,

protestou contra mim.

Alguém bateu a porta da Bem-Amada,

e uma Voz lá dentro perguntou:

"Quem está aí ?"

E ele respondeu - Sou eu.

A Voz então disse:

"Esta casa não conterá nós dois"

E a porta continuou fechada

Então o Amante foi para o deserto e na solidão jejuou e orou.

Retornou depois de um ano e bateu novamente à porta.

E de novo a voz perguntou:

"Quem é?"

E o Amante respondeu:

"És tu mesma!"

E a porta lhe foi aberta. 





Fonte: A Mística do Amor - Jallaludin Rumi - Ed. Pradense - 2012
Tradução: André Luis Soares Vargas