terça-feira, 9 de abril de 2013

HO CHI MINH




"Se o tigre parar, o elefante o transpassará com suas possantes presas. Mas o tigre jamais parará e o elefante morrerá de exaustão e hemorragia" (Ho Chi Mihn - 1946)

Há setenta anos atrás, um certo marinheiro vietnamita de nome Ba, recuperando-se de uma tuberculose (que  o acompanharia durante décadas) esteve durante seis meses no Rio de Janeiro. Morou em uma pensão em Santa Tereza. Durante o V Congresso do Cominten, em Moscou Nguyen Ai Quoc dividiu seu quarto com um comunista brasileiro Rodolfo Coutinho. E contava ao dirigente do PCB sobre sua estada no Brasil: confessava-se impressionado com a pobreza, principalmente na região dos mangues no Rio. E segundo se conta teria falado em um português-espanhol atravessado das suas boas lembranças com "las putanas del mangue". Esse lado boêmio do grande líder nunca constou de suas biografias oficiais. 

Foi como Nguyen Ai Quoc que Ho construiu sua reputação de grande agente da 3° Internacional. Como jornalista Ai Quoc se tornou conhecido dentro da esquerda. Seus artigos eram demolidores, com fina ironia e humor considerado brilhante. Esse homem segundo seus perseguidores iria se tornar mais tarde Ho Chi Mihn, o libertador do Vietnã que com sua humildade destruiu dois exércitos imperiais.

"A raiz faz a árvore sólida
O palácio de todas as vitórias
se constrói sobre um povo inteiro"

No palácio de Hanói, então construído sobre uma vitória fortuita do Viet Minh, Ho não resistiria muito tempo. Quando a 20 de dezembro de 1946, os franceses conquistam Hanoi e invadem o palácio presidencial, Ho Chi Mihn, doente e inconsolável, havia sido evacuado para a selva, com seu Estado Maior. De lá, em seu habitat natural, o tigre vietnamita comandaria a resistência.

Ainda no período anterior permanecerá algum tempo preso na China, e viu o período de reclusão como um estágio para alcançar seu objetivo:

"Pessoas que saem da prisão podem construir seu país
O infortúnio é um teste na fidelidade da pessoa
Aqueles que protestam contra a injustiça são pessoas de verdadeiro mérito
Quando as portas da prisão se abrem o verdadeiro dragão voará"

No Vietnã a poesia sempre foi uma maneira simples e fácil de comunicar-se com o povo. Bem mais fácil entender uma poesia do que palavras de ordem incompreensíveis para o sensível povo vietnamita. Esse é seu gesto, um canto particular, marca registrada daqueles que desde o começo dos tempos iluminam, em "Ho aquele que ilumina", suas poesias são estruturadas assim:

"Cantar a natureza era o prazer dos antigos
Flores e neve, luz e vento, montanhas e rios,
É preciso armar de aço os versos do nosso tempo
E o poeta também deve saber combater"

Suas poesias escritas com a leveza do clássico estilo chinês Tang, a partir de uma visão crítica Ocidental, rasa de percepção parecem pobres e ingênuas:

"Se levo fortemente atados os meus braços
ouço os pássaros, sinto o perfume das flores
Quem me pode impedir essa felicidade
Que me faz menos só e a marcha menos triste"

No seus poemas utiliza a linguagem dos camponeses e frequentemente usa o arroz como metáfora de um sistema de produção colonial opressor. Frágil como apenas mais um grão abatido sob o pilão, na sua luta pela liberdade lembra a bandeira do Viet Minh:

"Uma noite sem dormir, Duas noites, Três noites,
Viro na cama, inquieto, e o sono não vem
Quarta noite, Quinta noite. Meus olhos não se fecharam
Senão quando comecei a sonhar com a estrela de cinco pontas"

Em meio ao desterro, preso na China, mostrava que ainda estava vivo, lúcido e arrasador, em seu mordaz humor. Como nessa poesia anotada no diário: Sobre a delegação norte americana que visitava a China:

"Somos ambos amigos da China
Vamos ambos para Chunking
Mas você segue como convidado de honra
Enquanto eu sou prisioneiro, atirado sob uma escada
Frieza para com um, cordialidade para com outro:
O mundo sempre foi assim desde tempos imemoriais
as águas correm para o mar"

E na mais fina ironia de um prisioneiro:

"O Estado me alimenta com arroz; habito seus palácios
Seus guardas se revezam para me fazer companhia,
Suas montanhas e seus rios, eu os contemplo à vontade.
Com tais privilégios, um homem se sente realmente um homem!"

Seu período na prisão foi na verdade triste, solitário e penoso. O mais belo poema de seu diário escrito quatro meses após ter sido preso expressa sua índole e demonstra que em termo de prisões os chineses nada inovaram na crueza do tratamento dos inimigos como tantos outros senhores da época:

"Um dia encarcerado
mil anos lá fora
Não é vã palavra
Este provérbio antigo
Quatro meses na cela
destruíram meu corpo
mais do que dez meses de vida
Quatro meses de fome
Quatro meses de insônia
sem mudar de roupa
sem poder me lavar
Abandonou´me um dente
cabelos branquearam-se
negro, magro, faminto
vestido de sarna e de feridas
Mas paciente sou,
duro, rijo
sem recuar um palmo
Materialmente miserável,
o moral, firme".

Foram treze meses de fome, de insônia, de sarnas e de moral firme nas mãos do Kuomintang. Em 16 de setembro de 1943, além de livre Ho estava de novo na liderança de um grupo nacionalista patrocinado pelos chineses. 

Ao estalar a guerra contra o colonialismo francês adverte: "Vocês me matarão dez homens, enquanto eu lhes matarei um. Mas mesmo com essa conta, vocês não poderão aguentar e eu vencerei...,"

Na selva com escassos recursos militares e poucos alimentos, a situação era grave para Ho e seus homens: "Os revolucionários vietnamitas receberam a influência revigorante da Revolução de Outubro e do marxismo-leninismo, como um viajante com fome e sede que, após uma longa jornada, recebe arroz e água".

Até que no final de 1949 Mao Tsé Tung assume o poder na China estabelecendo uma República Popular e então ocorre a mudança na guerra vietnamita. Armas e alimentos chegam para o Viet Minh. A intervenção norte americana em apoio ao aliado francês iniciou a temporada de chuva de Napalm. 

    
Bibliografia: Ho Chi Minh - Rafael Roubicek - Ed. Brasiliense - 1984